CHEGA UMA HORA em que a gente quer mudar.
Daí vem aquela vontade que não faz concessões, não
respeita convenções, quepula peito afora quase nos expulsando da própria vida,
como se fôssemos estrangeirosde nós mesmos. Sem sujeito, endereço nem
predicado. Essa metamorfose queacontece de dentro para fora e de repente você
se vê ali, sentada sentindo o cheiro docafé, ouvindo a música no rádio,
sentindo fome de vida.Porque você não se ajusta bem com nada mais ou menos. É
um inconformismo,
um desatino permissivo, e não precisa ser quando
alguma coisa vai mal, pode serquando a geladeira está cheia e a cama arrumada.
Quando as frutas estão novas,doces e amareladas. É só um efeito do tempo,
simplesmente te implorando coragem. Ésó a vida te agarrando pelo braço e te
dizendo: “Vai viver!”. É só porque você nãosuporta o marasmo e essa palavra
quase lasciva chamada possibilidade que morde eassopra te faz como ninguém
brilhar os olhos.
Porque você é dessas que desafia a correnteza, que
arrisca as garantias, quesobe no palco e grita, que compra passagem só de ida e
que dá conta de tudo nofinal...
Porque a gente quer saber até onde pode chegar. Um
onde que tem mais a vercom as realizações do que com o ponto de chegada. A
gente quer uma vida cheia de certezas, com uma fotografia impecável e trilha
sonora perfeita, num desses efeitosborboleta em que tudo sai exatamente como o
esperado.
A gente nunca sabe o que pode encontrar quando não
estamos procurando pornada. Até que um dia a gente se dá conta que foi
imensamente modificada.
Sempre há tempo pra virar a vida do avesso, quebrar
os protocolos, começar aditar as regras. Sem medo de ser feliz. Sem medo de
deixar aquele emprego que não realiza, aquele namorado que não encanta nem
desencana e saber que há satisfação infinita em prazeres simples, como ficar em
casa em plena sexta à noite, arrumando suas gavetas e devorando aquele livro
novo ou fazer uma viagem sozinha, começar a trabalhar em casa. Saber que dá para
ser feliz aos poucos, sem motivo aparente, sem momentos grandiosos nem
circunstâncias favoráveis. Dá pra começar, terminar e parar com essa mania de
ficar deixando pontas soltas, deixando tudo para a semana que vem. Melhor
recompensa que o alívio de ter tentado, não tem.Então, por que em vez de
passarmos o tempo todo nos boicotando, não fazemos as pazes conosco, tomamos um
café, nos damos um abraço e seguimos em frente?